quarta-feira, 6 de maio de 2009

Carta de Werther a Lua

Tem alguns dias que deveríamos ficar calados...
Mas são nesses dias que o menino grita e vira homem.

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O hálito cansado de um corpo pálido
trava sua batalha contra a neblina fria.
Dentro de botas úmidas artelhos corroem,
a carne arde e são seis horas,
nove horas, três horas e tudo bem.

Mas eu vi acenar para mim
o homem na lua a bocejar.
E sim, ele estava tão feliz...
morto e tão feliz...
E eu limpei os meus olhos
destas aranhas sem pernas
e acendi cigarros e estopins.

Vou voltar a meia-noite só pra ver voltar.

Minhas mãos cansaram de esmurrar
o vidro quando te via escovar suas
três fileiras de dentes
e estive preso no espelho por tanto tempo
que nem sei bem, e mais cem anos,
seis meses, três dias, tudo bem... tanto faz.

Aprendi a amar teu sorriso
como se aprende a amar quem sempre
diz que no final todos tem
a justiça e o sentido
e todos são amigos.
Quem diria "eu amigo"...
Quem diria... eu sei...

Vou voar agora que me destes asas.

Devoro exércitos, devoro exércitos,
canto para os pássaros, corro nos desertos, nem
a vontade de mil conselhos pode me deter.
Devoro exércitos, devoro exércitos,
o sangue negro feito petróleo da boca escorre e
me deixa mais forte.
Nem São Jorge irá te proteger.

Vou chegar as crateras da lua e me tornar um Deus.

Dance of Days
Um Canto Para Caronte (Ou De Como A Mantícora Aprendeu a voar)

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Caronte é o nome do barqueiro do inferno, na mitologia, mas também é o nome de um planeta. Bom, na verdade não é planeta, mas uma lua de Plutão. O jogo de palavras transita entre os dois significados, o que, a meu ver, torna mais legal a forma poética.

No primeiro estrofe eu quis retratar a imagem que tinha de estar estático na chuva, parado, com os pés molhados e vendo tudo acontecer, o tempo passar e dizendo "tudo bem". Tenho meu significado pessoal para isso, mas acho que cada um sabe qual seu mar e qual seu inferno.

Nesse primeiro sentido eu retrato Caronte como o barqueiro... na tempestade que me cerca.

No segundo estrofe, "o homem na lua" remete Caronte a seu outro significado, e eu me refiro a minhas reflexões, a esse estado "na lua" em que pensamentos as vezes cansam a gente e morrem. Creio que não é preciso então nem dizer que a figura de "aranhas sem pernas" remete a teorias fracassadas que não saem do lugar e cegam, e que "acender cigarros e estopins" remete a movimento, a "seguir adiante".

O primeiro refrão significa sentir ter o poder de voltar atrás quantas vezes quiser... nem que seja só pra "ver voltar". É definitivamente uma coisa em que gosto de pensar.

A simbologia do terceiro estrofe me veio na imagem de Alice, no outro lado do espelho, de frente para a figura da Mantícora. O que tentei representar foi a prisão no mundo de sonhos frente ao horror de uma vida em angústia. Por isso quis dizer perder a noção de tempo ser algo, mesmo que no íntimo, sedutor, com a expressão "tanto faz".

No quarto estrofe eu quis dizer que as vezes você, mesmo de dentro do espelho (seja qual for o seu espelho) e de frente para um monstro medieval (seja qual for a sua Mantícora), aprende a "amar seu sorriso", como se aprende a amar qualquer um que lhe ofereça conforto. Mesmo que saiba que não é de sua índole se adaptar por conveniência.

Mesmo que em seu íntimo diga: "- Quem diria... Eu...".

No segundo refrão, em "voar agora que me destes asas", tentei demonstrar a teoria da mão invisível divina, como aquela peninha placebo do Dumbo, que sempre pode voar, mas só conseguiu depois que achou algo em que pudesse apoiar sua crença, com o que enganar suas dúvidas.

No último estrofe, "devoro exércitos" é a frase "ameaça" clássica da Mantícora nos bestiários medievais. Tentei jogar com as palavras para representar questões de auto confiança e também seu contraste com o belo e o tenebroso, do prepotente com o inconsequente.

Na simbologia que me veio em mente comparei também a Mantícora nos tempos modernos a países que desafiam conselhos internacionais se isso lhes proporcionar "o sangue negro feito petróleo"... Mesmo que isso signifique devorar toda uma nação.

O refrão conclusivo remete ao êxtase, seja em anestesia, no caso do conforto dentro do espelho, seja em aliviar o peso saindo enfim "da lua" ou ainda em vitória pela prepotência, no caso da Mantícora moderna.

Tentei achar uma expressão que se encaixasse em todos esses significados... e "tornar-se um Deus" me veio como a mais indicada.

Fábio Altro
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Mesmo sabendo das intenções do autor ao escrever a musica, alguns dias ela tem um sentido mais trágico.

Um comentário:

  1. trágico seria se caronte não existisse...em seus dois significados.
    os significados são atribuídos de acordo com a somatória de sentimentos guardados durante o dia
    mas nunca se esqueça
    raise your voice!
    ou cante para caronte
    quem canta os males espant, há

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